Jesus orou para “que todos sejam um” (Jo 17,21), descreve Pe. Maycon sobre ecumenismo

Em 2021 a Campanha da Fraternidade será ecumênica, e terá como tema: “Fraternidade e diálogo: compromisso de amor” e lema: “Cristo é a nossa paz: do que era dividido, fez uma unidade” (Ef 2,14a). Será a V Campanha da Fraternidade Ecumênica. Quando isso acontece, toda a Campanha é pensada, organizada e vivida de forma ecumênica para que várias Igrejas possam compor a equipe de organização.
Mas eu gostaria de trazer aqui alguns elementos para a reflexão sobre o ecumenismo. Protestantes e católicos que estudaram ou estudam com profundidade o tema, sabem que as questões históricas que levaram à divisão não são as que mais se vê na boca das pessoas em debates e ofensas. Os temas que mais nos machucam atualmente são: “Maria”, “o Sacerdócio ministerial” (ministério ordenado) e a “Ceia” (Eucaristia).
Maria
Maria é alvo de debates constantes entre católicos e evangélicos, mas se lermos escritos de Lutero acerca de Maria, percebemos que o autor não negava a importância dela no plano salvífico. Aliás, ele tem diversos comentários sobre Maria; é possível citar, por exemplo, o comentário acerca do Magnificat (Lc 1,46-55). Hoje os católicos recebem ataques de que adoram Maria, de que colocam Maria acima de Jesus, entre outros. Você já passou por uma situação parecida?
Foto: Reprodução Blog Portal Católicos
Para os católicos, Maria não é pensada sendo comparada com Jesus, mas é pensada “com” Jesus. Ela é a mãe do Senhor. São Marcos mostra que Maria era da família de Jesus (Mc 3,31-35; Mc 6,1-16). São Mateus demonstra que Maria é a mãe do Messias; ela concebeu por obra do Espírito Santo e de forma virginal (1,18-25). São Lucas apresenta Maria como discípula perfeita, pois ela ouve a Palavra (Lc 1,26-38), acolhe a Palavra (Lc 2,19.51) e põe a Palavra em prática (Lc 2,42-45). João infere que Maria é pedagoga, guia na fé, pois manda fazer o que seu Filho diz (Jo 2,1-11) e é mãe da comunidade cristã (Jo 19,25-27).
Desse modo, Maria tem grande importância. Evidentemente que ela não é comparada com Jesus, pois Ele é Deus. No entanto, Maria participa da vida e da missão de Jesus. Ela mesma se tornou discípula do filho Jesus. Por isso, Maria é exemplo, mãe e modelo para todos nós. Quem salva é Jesus e não Maria, mas ela participa desse projeto de salvação para a humanidade desde que disse “sim” a Deus.
Ministério ordenado
Outro ponto hoje difícil para o diálogo ecumênico é a questão do ministério ordenado. Lutero falava do sacerdócio comum dos crentes. Segundo ele, cada fiel pode evangelizar, pregar a palavra, entre outras ações. Por ser sacerdote, cada pessoa pode se apresentar diante de Deus sem a necessidade de um mediador humano para levar a sua questão, o seu arrependimento, e alcançar o perdão diante de Deus. Entre os sacerdotes existem os mestres, escolhidos da comunidade, que se aprofundam nas Escrituras para ajudar os demais.
Para a Igreja Católica existe o sacerdócio comum dos fiéis pelo batismo (LG, 31), mas existe também o sacerdócio ministerial, desejado pelo próprio Cristo, que fundou a Igreja enviando os Apóstolos; estes tiveram por sucessores os Bispos (LG, 18 e 20); entre eles, há o primado de Pedro, sucedido pelo Sumo Pontífice (LG, 22); os Bispos constituíram seus colaboradores que são os Presbíteros e Diáconos (LG, 28).
A questão difícil é que, com a divisão entre as Igrejas, a sucessão dos Bispos na Igreja Católica continuou, e com a tal sucessão chegamos até hoje, de modo que, os sacerdotes ordenados pelos Bispos que estiveram nessa sucessão, foram ordenados validamente. O lado protestante rompeu a sucessão episcopal. Do lado católico não se reconhece o ministério de muitas Igrejas. Do lado protestante, obviamente, com ideias inclusive luteranas, não se crê na mediação dos sacerdotes entre Deus e os seres humanos.
Ceia
Assim, entra uma terceira questão “espinhosa” que é a Ceia. Do lado católico, como existe a sucessão dos Bispos, a Ceia (Eucaristia) é tida como válida, mas não se reconhece a presença real de Jesus na Ceia dos irmãos separados. Aí a questão é mais complexa, pois para os luteranos, que acreditam na União sacramental, a presença de Jesus na Eucaristia se dá somente durante o culto, durante o uso do sacramento. Para outros protestantes, a Ceia é algo simbólico; para os católicos que falam da transubstanciação, Jesus está realmente presente na Eucaristia em Corpo, Sangue, Alma e Divindade, mas de forma sacramental, durante a Missa e até mesmo depois.
Nesse sentido, Lutero não negava a Eucaristia. Aliás, reconhecia apenas dois sacramentos: o Batismo e a Eucaristia. Ele se queixava de que os fiéis participavam da missa, mas não ajudavam os irmãos. Hoje, o tema da Ceia é bastante dolorido no diálogo ecumênico, pois, se por um lado trata-se do sacramento da “comunhão”, por outro lado as Igrejas não reconhecem como válidas a Ceia do outro.
Mas se esses três temas não eram os principais que Lutero questionava, quais eram? Dentre os temas tem a questão da justificação (hoje houve um avanço na aproximação entre católicos e luteranos que estavam falando a mesma coisa, mas com ênfases diferentes), a questão das indulgências (a intenção delas para Lutero era louvável; ele apenas questionava sobre as taxas cobradas), a questão do poder temporal do Papa, entre outras. Em todo caso, as teses de Lutero foram afixadas para debate e reflexão. Não é que Lutero queria a divisão da Igreja, mas, infelizmente, aconteceu.
Em todo caso, é preciso lembrar que o Corpo de Cristo, a Igreja, está dividida, e Ele mesmo rezou ao Pai para que houvesse a unidade (Jo 17,21). Hoje é possível protestantes e católicos avançarem no diálogo ecumênico. Muitas e muitas ações têm sido realizadas pelo mundo afora. O Papa Francisco é um exemplo de vivência ecumênica. O debate teológico dos temas difíceis (doutrina) é preciso deixar para os teólogos, mas é possível fazer ações comuns no âmbito da oração (espiritualidade) e da caridade. No âmbito da oração, é possível fazer celebrações, cultos, momentos de oração, juntos. No âmbito da caridade, protestantes e católicos também devem estar unidos para ajudar os irmãos e irmãs necessitados com ações concretas.
Atualmente, evangélicos e católicos ficam se atacando por divisões que aconteceram há anos. Não fomos nós que brigamos e causamos a divisão, mas sofremos com isso e nos atacamos. Sejamos conscientes e busquemos a unidade. É um contra testemunho de qualquer cristão que se diz conhecedor da Palavra, provocar ataques achando que a sua doutrina é a certa e a do outro é a errada. Oremos, como Cristo, pela unidade, mas façamos juntos ações concretas para isso.
Fonte: Diocese de Paranavaí/Fotos: Cathopic Autor: Pe. Maycon Renan da S. S. Boni - pároco em Amaporã